Ping-pong com Denis Russo Burgierman

Em entrevista ao nosso site, Denis Russo Burgierman, editor-chefe da revista, fala sobre inovações e ferramentas adotadas para conquistar um público cada mais conectado ● Por Bruna Somma e Beatriz Rodrigues



      Dennis Russo Burgierman não é um jornalista que se deixa levar pela correnteza do senso comum. Politizado e defensor das causas sociais, é engajado naquilo que se propõe a fazer. Tanto é que participa da comunidade mundial TED, dá aulas na Eise (Escola de Inovação e Serviços) e é membro da Rede Pense Livre – por uma política de drogas que funcione. O questionamento sobre as reais consequências dessas substâncias, no entanto, é permanente em seu imaginário e foi o estopim para o desenvolvimento de seu livro “O fim da guerra”, que trata do futuro da licitação das drogas. Pai da Aurora, Dennis afirma que seu hobby preferido é andar de bicicleta. Sempre pedala entre uma coisa e outra. Não é por acaso que ele é editor-chefe da revista da Revista Superinteressante, que possui forte teor ideológico e linha editorial bem definida. Tudo possui uma justificativa. Tudo possui um porquê.

      A revista tem 28 anos de existência e possuiu um olhar atento à ciência, tecnologia e também à cultura. Seu objetivo sempre foi abordar assuntos densos sob uma perspectiva divertida e didática, que desmistificasse os padrões já existentes. A “Super”, como é carinhosamente chamada, possui historicamente esse pioneirismo pela luta de um conhecimento democrático e acessível a todos. Não poderia ser diferente: o sucesso é arrebatador. Sua tiragem é de 400 mil exemplares, seu site possui três milhões e meio de visitantes e sua página do Facebook apresenta mais de três milhões de curtidas. Segundo pesquisa da consultoria Top Brands, a Superinteressante é a marca de revista mais querida do Brasil. Para garantir a fidelização destes leitores, nos últimos anos, a redação passou por algumas transformações. A transmidialidade foi uma delas.

Convergência em Cena: Uma das características da revista Superinteressante é experimentar diferentes linguagens. Há dez anos vocês fazem narrativas transmídias. São pioneiros nessa mudança. O que motivou esse processo?

Denis Russo Burgierman: Começamos a perceber que nesse mundo novo, os assuntos ficam vivos por mais tempo e que o potencial de disseminar aquilo que fazemos é muito maior do que jamais foi. É a era de ouro da produção de conteúdo. Nunca se teve tanta possibilidade de fazer narrativas tão complexas e que atingissem tantas pessoas. Acho que esses atributos de experimentação e de inovação foram transformando a “Super” em uma marca cada vez mais relevante. É um luxo essa possibilidade de ficar experimentando com linguagens e mídias novas e ter um público que já se identifica com a nossa marca, que já está a fim de saber das coisas que a gente tem para contar. Existe uma pré-disposição pelos conteúdos que produzimos. Temos uma oportunidade imensa de disseminar essas coisas. O nosso negócio é vender revista e a gente propôs essas experimentações transmídias para ampliar a experiência de quem lê a revista, mas também para trazer gente nova para o nosso mundo. Continuamos experimentando com plataformas, linguagens e jeitos de fazer as coisas, mas o nosso negócio continua sendo a revista, nosso time está sempre voltado para revista. Quando você pensa no século XXI, acho que nenhuma marca editorial brasileira cresceu tanto no imaginário das pessoas e como negócio como nossa revista cresceu. A “Super” é, hoje, um dos principais títulos da Abril.

Convergência em Cena: A Superinteressante também é premiada por seus infográficos e pelo seu projeto editorial inovador. Quando e como começou o processo de convergência e de valorização do design na revista?

Denis Russo Burgierman: Foi no comecinho do século XXI, quando a gente fez um movimento, que na época nem refletimos o que estávamos fazendo e que, hoje, vejo que foi uma primeira integração cultural. Foi quando decidimos integrar design e texto na revista. Passamos a acreditar que o design das páginas é tão informação quanto o que está escrito nelas. A “Super” começou a entender que seus designers são tão autores da revista e tão influentes e com poder de decisão sobre o que a gente publica, quanto a figura dos editores. Para nós, tal mudança fazia sentido porque as pessoas consomem informação de jeitos diferentes: algumas são mais visuais, outras mais textuais. Queríamos uma revista que apelasse a todos os sentidos, ao mesmo tempo. Quando as possibilidades de fazer coisas digitais foram aparecendo, para nós, essa ideia de integrar culturas e de criar coisas novas a partir da soma de culturas, já existia. É assim que inovação acontece. Quando você põe duas culturas rigorosas para conviver, surge uma terceira: a inovação. Então, o que a gente fez foi simplesmente colocar mais profissionais nesses times. Acrescentamos um programador, um webmaster e um webdesigner.

“O nosso negócio é vender revista e a gente propôs essas experimentações transmídia para ampliar a experiência de quem lê a revista, mas também para trazer gente nova para o nosso mundo”.
– Denis Russo Burgierman, editor-chefe da Superinteressante. 


CEC: Para acompanhar as mudanças que ocorrem no campo do jornalismo, vocês tiveram que passar por algumas adaptações. Quais foram elas? E quais são as técnicas que utilizam para atrair e fidelizar cada vez mais leitores?

DRB: Estamos nos planejando e incorporando novas técnicas em nossa rotina para fazer esse movimento. Por exemplo, passar por treinamentos para aprendermos coisas que ainda não sabemos, como as ferramentas de ranqueamento do SEO e Google Analitics, que são úteis para esse mundo novo. Somos gerentes de uma marca editorial, que gosta de falar sobre conhecimento e sobre seus vários desdobramentos e, por esse motivo, temos que compartilhar isso em infinitas plataformas. Nosso conteúdo vai ser destinado, primeiramente, para a revista e depois para os livros impressos ou digitais. Nós publicamos uns 10 livros por ano e são todos Best-sellers. Vão para o DossiêSuper –  revista monotemática que publicamos uma vez por mês – vão para internet e para as redes sociais (no Facebook, no Instagram, no Twitter, no Periscope). Vão para mil lugares diferentes, para qualquer oportunidade que encontrarmos.

CEC: O audiovisual tem sido usado para complementar o processo narrativo. Desta forma, alimenta as redes sociais e cria uma identificação com a marca. Ele tem uma regularidade e tende a crescer? Como se configura esse processo?

DRB: Sim, ele é importante para a gente. A partir desse ano, começamos a produzir consistentemente esse material. Os vídeos têm uma característica parecida com os textos da revista: o trabalho de explicar coisas, de ajudar a entender, conciliando, em doses iguais, seriedade com diversão, leveza com profundidade. Isso está fazendo um baita sucesso. Já começamos a fazer reportagens também. A gente pegou nossa repórter, que faz matéria para a revista, e em vez dela se dedicar em fazer conteúdo para o impresso, foi encarregada de produzir conteúdo audiovisual. Cada vez mais, nós vamos ver que temos mais escolhas, mais possibilidades. Ao longo desse ano, tivemos um momento em que estávamos postando quase que um vídeo por dia. Boa parte não tinha conteúdo denso. Tivemos um momento, há quatro meses, que todo mundo começou a produzir muito vídeo. Isso não foi por acaso, foi o Facebook que decidiu que iria ser assim. O Facebook ligou e avisou: “Olha, iremos começar a dar mais visualização para quem produzir vídeo. Se você produz pelo menos dois vídeos por semana, vai perceber ganho de audiência”. E o poder que essa rede social tem hoje em dia para determinar o jeito que tudo funciona é imenso e fez com que todos seguissem essa orientação, e a começar, de repente, a produzir muito mais vídeos. E efetivamente aconteceu o que o Facebook falou.


“O vídeo é quase um ponto de encontro com outra pessoa. Tem uma força do audiovisual que não pode ser reproduzida na revista e tem uma força na revista que não pode ser reproduzida no audiovisual”.
– Denis Russo Burgierman, editor-chefe da Superinteressante. 

CEC: Como fica a questão da colaboratividade desse leitor, receptor e internauta? Talvez em uma ajuda na sugestão e na construção de pauta, na normatização e produção de conteúdo ou existe um outro papel para eles no jornalismo de vocês?

DRB: A “Super” tem uma tradição antiga de dar muita importância a essa relação com o público. Todo leitor é tão importante quanto o resto do time. E isso não é demagogia, e sim, uma norma que realmente projetamos em nossa cultura. A gente está, a todo tempo, tentando se colocar no lugar subjetivo do leitor. Estou dizendo isso porque se chegam dez e-mails pedindo a pauta X, acham que temos que dar essa pauta porque tantas pessoas pediram. Não é bem isso. A gente não costuma fazer pesquisas, do tipo “que pauta você quer ver na Super? ”, porque a gente quer surpreender as pessoas. Tenho quase certeza que essa pesquisa acabaria ganhando uma ideia do que as pessoas achariam legal responder, mas não vai surpreendê-las e não vão ficar tão empolgadas assim quando aparecer na revista. A gente quer que saia algo que eles não esperem. Então, a nossa relação é muito mais tentar entender os leitores. O nosso ponto de partida é aquilo que a gente presume ser a curiosidade do nosso público. Nossos colaboradores, que são muitos e nossos braços direitos, falam: “Olha que assunto legal, quero fazer uma matéria sobre isso, topam? ”. Geralmente é assim. O número de matérias de ciência surpreendentes e instigantes que chegam para gente, principalmente as coisas mais exatas de matemática, é menor do que eu gostaria que fosse. E é isso, vocês estão todos estudando jornalismo e imagino que, muito provavelmente, nenhum de vocês tenha uma formação mais aprofundada em ciências e em exatas. Ou talvez não tenham um interesse muito grande nessa área. É raro essa figura, um cara que gosta e entenda matemática e que escreva bem. É uma pena, porque essa figura, para nós, é ouro!

CEC: Como funciona o trabalho dos colaboradores na Superinteressante? São jornalistas, na maioria, ou são especialistas em alguma área? 

DRB: Nós temos colaboradores de várias áreas. Temos colaboradores ilustradores e fotógrafos. As pessoas que fazem as apurações dos textos da “Super” são, na maioria, jornalistas. A gente tem um esforço ativo de buscar gente que não seja jornalista para colaborar porque a gente quer ter uma diversidade, diferença de vozes. Então queremos ter pessoas contando suas próprias histórias também. A gente tem a história de uma médica que dois dias antes dela se formar ela caiu da escada, teve uma fratura no cóccix. Desde então, ela passou por seguidas cirurgia. Hoje ela tem uma dor crônica, terrível, que ela não para de sentir e que não é efeito do tombo, e sim, das cirurgias. Ela foi descobrir que era um erro médico super comum e que existem milhares de pessoas que passam por isso. O principal motivo é que a cirurgia que é feita, que dá pouco resultado e que às vezes causa esse tipo de problema, é caríssima. Então, existe um incentivo dos médicos continuarem receitando essa cirurgia, embora ela não funcione. Ela contou essa história.  Foi uma história muito bem escrita. Essa mulher é médica pela formação, mas, ela não quer mais atuar na profissão. Tudo que é difícil e denso sobre medicina a gente passa para a Fernanda, colaboradora frequente nossa. É claro que tem várias coisas básicas de jornalismo que temos que explicar para ela.

CEC: A linguagem é muito parecida entre uma reportagem e outra. Os recursos de humor e ironia também estão em sincronia. Como isso ocorre? Como vocês pensam isso no texto? 

DRB: A gente acha que a “Super” tem uma personalidade. Se a revista fosse uma pessoa, como é que ela seria? Apesar do absurdo da pergunta, quase todo mundo sabe responder. A “Super” tem uma personalidade e que traduziu em algumas palavras o que é essa história de ser séria e divertida ao mesmo tempo, de ser leve e profunda ao mesmo tempo.  Mas não é simples. A revista não é isso e pronto. Outros projetos são mais fáceis de definir. Quatro rodas é uma revista sobre carros, Capricho é uma revista para adolescentes, a “Super” eu sei lá o que é. Ela é mais difícil de definir porque ela é mais complexa. Ela tem uma quantidade muito grande de interesses, uma voz que não é nem infantil e nem adulta, ela é informal. Ela tem uma coisa de escrevermos do jeito como a conversamos. A gente escreve para ser entendido e para entreter. Então, eu acho que essa personalidade é compreendida pelos colaboradores. Todo mundo entende isso. Até quem normalmente não escreve assim se imbui desse espírito. E tem nossos editores que nos dão a aprovação final. Eu falo que não quero que eles apareçam em todas as matérias. Eu quero que eles deixem os autores das matérias aparecerem. Mas é que a tentação é grande também das pessoas se colocarem nas matérias. E talvez padronize um pouco mais do que a gente deseja. Mas tem uma alma da “Super” que é o que você sente, o que está em todas as matérias, está no texto e está no design. O ser sério mas não tão sério e o fazer piada devem estar a favor da informação 

Ping-pong com Denis Russo Burgierman
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